Esporte | África
Terça-feira, 27 de Agosto de 2024
Conheça a bola criada por crianças que virou sinônimo de esperança em campo de refugiados na África
Garotos produzem bolas com materiais recicláveis e tentam vendê-las para gerar renda e melhorar realidade; reportagem do ge esteve no Malawi e apresenta como o esporte está inserido no dia a dia das pessoas que vivem no campo de refugiados Dzaleka
Em uma viela de terra, restos de plástico e pano vão sendo enrolados em uma bexiga por pequenas mãos habilidosas. Uma corda fina dá o acabamento final, e uma seringa é improvisada para encher a bola. Quando ela fica pronta, as crianças, responsáveis pela produção, logo começam chutá-la pelas ruas do campo de refugiados Dzaleka, no Malawi, na África.
A criatividade mostra o potencial dos garotos. O capricho na confecção ilustra o quanto a bola de futebol é importante para eles. A reportagem do ge esteve no campo de refugiados Dzaleka e viu que ela é mais do que um objeto de diversão. É vista como um instrumento para realizar sonhos. Ser jogador de futebol pode ser o principal deles. Mas essas crianças também passaram a enxergar a bola como um meio de gerar renda e, consequentemente, melhorar a realidade.
Desde o início deste mês, estão produzindo bolas em maior quantidade para vendê-las. Foram incentivadas por uma fotógrafa do Rio de Janeiro, que visitou o campo de refugiados em julho deste ano como voluntária da Fraternidade Sem Fronteiras, uma organização humanitária brasileira que atua no local.
Míriam Ramalho viu a produção das bolas enquanto andava pelo campo e ficou admirada com o talento dos garotos, com idades entre 11 e 12 anos. Como forma de reconhecer o trabalho e incentivar o potencial criativo que possuem, encomendou duas bolas. Fato que surpreendeu eles.
– Perguntei quanto era e eles levaram um tempo para dar o justo valor. Em seguida, disseram que eram duas mil kwachas (equivalente a quase R$ 6). Elogiei o trabalho, fiquei com as duas bolas e paguei com uma nota de cinco mil kwachas. Como um raio, vi os dois moleques correndo e gritando com o dinheiro na mão. Parecia que tinham ganhado a Copa do Mundo de futebol. Não consegui nem fazer mais fotos – contou.
Míriam pensou que a bola poderia gerar renda aos garotos se fosse vendida nas feiras locais. Outros voluntários que estavam com ela no Malawi souberam da história e se uniram para ajudar as crianças a começarem empreender na produção das bolas.
Os garotos se animaram com a possibilidade e a ideia começou a ganhar forma. Evaldo José Palatinshy, diretor da Ubuntu Nation School (escola da Fraternidade Sem Fronteiras no Malawi), organizou uma campanha que arrecadou recursos para dar início à fabricação das bolas para venda.
– Eles vieram com as bolas. Pensei: “isso não pode parar aqui”. É um sentimento de empreendedorismo, essa vontade de sair deste lugar, a intenção de transformar essas bolas em uma fonte de receita para eles, para as famílias. Resolvemos fazer uma campanha. Vender essas bolas simbolicamente por R$ 10 e, com esse dinheiro, para montar uma estrutura para eles começarem a trabalhar nisso. A ideia é tentar melhorar a qualidade das bolas, usar um material reciclável que seja mais resistente. Vamos trabalhar nesta direção – afirmou.
No campo de refugiados Dzaleka, o ge presenciou não apenas a produção das bolas, mas também conheceu a realidade do local e viu como o esporte está inserido no dia a dia das pessoas que buscaram refúgio neste campo. Há campeonatos locais de futebol e uma escola que incentiva a prática de diversas modalidades esportivas. Conheça abaixo.
Por dentro do campo de refugiados
O Malawi está localizado no sudeste da África, ao lado Moçambique, Zâmbia e Tanzânia. De acordo com o balanço de 2024 do Fundo Monetário Internacional (FMI), é o sétimo país mais pobre do mundo, com Produto Interno Bruto (PIB) per capita de 1.711,84 dólares. A nação mais pobre do mundo, segundo o FMI, é o Sudão do Sul, também no continente africano, com PIB per capita de 455,1 dólares.
O Malawi está na 172ª colocação do ranking do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), em uma lista com 193 países da Organização das Nações Unidas (ONU). O índice IDH do país é 0,508, classificado como baixo. O Brasil é o 89º colocado, com índice 0,760, classificado como alto.
O campo de refugiados Dzaleka fica no distrito de Dowa, a 41 quilômetros da capital Lilongwe. De acordo com o último balanço divulgado pela ACNUR (agência da ONU para refugiados), de 2021, são 52 mil pessoas vivendo no local.
A maioria dos refugiados (62%) é da República Democrática do Congo, mas há também refugiados do Burundi, Ruanda, Etiópia e outros países africanos. São pessoas que deixaram o país de origem por diferentes motivos, como risco de morte pelas guerras civis, perseguições étnicas ou religiosas.
O ge percorreu o campo de refugiados Dzaleka. Todas as ruas são de terra e as moradias são precárias, construídas com tijolo que não dura muito tempo e vai se desfazendo com as chuvas. As pessoas que estão no campo não podem trabalhar fora do local e a condição de vida é difícil. A fome, por exemplo, é uma realidade para muitos. A ONU dá apenas cinco doláres por mês para cada refugiado.
Ao mesmo tempo em que há falta de muitos itens básicos no campo, sobra potencial nas pessoas que vivem no local. Há talentos em diversas áreas. Alguns se destacam na música e na dança, outros na literatura, nas artes e por aí vai. O potencial esportivo também é nítido.
G1
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